terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Política e Sensibilidade




 Em um momento caracterizado pela universalização da linguagem gestionária e das práticas de consumo, perde-se de vista o sentido da palavra "política". Ao ouvirmos o termo, é comum que direcionemos nossa imaginação aos senhores de terno e gravata, eleitos (ou não) por meio do voto popular, que costumamos ver nas matérias jornalísticas, geralmente envolvidos em escândalos ou proferindo discursos populistas por meio dos quais, se não os heróis, ao menos os vilões ganham perfis muito claros ( pessoas geralmente pobres e /ou pertencentes a minorias étnicas ou religiosas).  A "política" então passa a ser vista em seu caráter meramente técnico e, lógicamente, privado, como se fosse um espaço a ser administrado por um corpo de gestores.  Segundo esta lógica há, um "fora" da "política", o que faz com que aqueles que se encontram "dentro" dela, gozem de privilégios, entre os quais a "procuração" pública para decidirem sobre a vida (e a morte) dos que sobram e se vêem, por este motivo, obrigados a ocupar as bordas do mundo, como no título do belíssimo livro de Michel Agier (Aux Bords Du Monde: Les Refugiés, Ed. Flammarion, Paris, 2001), sobre o enorme contingente dessas populações "indesejáveis", a ocuparem espaços de fronteira como os assentamentos de "refugiados" do ACNUR (Auto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados). Nesta perspectiva "Política" e "polícia" podem ser compreendidas como sinônimos. Mas é apenas quando as substâncias se misturam e o caldo entorna sob o chão brilhante das grandes metrópoles mundiais que podemos resgatar um outro sentido para o termo. É por isso que filmes como "London River" (traduzido para o português como "Destinos Cruzados") ganham extrema importância, pois, ao contrário de fazer coro ao discurso midiático mais raso, como o péssimo "O Preço da Coragem" (que alia o marketing da geopolítica norte americana ao marketing pessoal de Angelina Jolie), complexifica a problemática relação que se estabelece quando as fronteiras se dissolvem. 




O filme narra o encontro entre as trajetórias de Elizabeth Sommers (Brenda Blethyn), uma senhora inglesa interiorana e protestante e o guarda florestal muçulmano Ousmane (Sotigui Kouyaté). O contexto é amarrado pela fatídica data de 7 de julho de 2005, quando uma série de atentados tiraram a vida de muitos usuários do sistema de transportes públicos de Londres. Assim, se por um lado Ousmane vai da França até a Inglaterra , carregando em seu corpo os marcadores sociais de sua diferença , para buscar notícias de seu filho, com quem não mantinha contato a muitos anos, desde que que largou a família no continente africano (o nome de seu país de origem não é mencionado), por outro, Elisabeth,  que após ver a notícia dos atentados na televisão, também segue à procura da  filha (que não atende às suas ligações) , acaba, da mesma forma, deparando-se com uma terra estrangeira e aparentemente hostil, ainda que no seio do próprio país, ao notar que o endereço encontrava-se no meio de um bairro de origem árabe, na periferia da capital inglesa. As cenas da chegada de Elisabeth ao bairro árabe/muçulmano e dos seguidos choques com a "vizinhança", sobretudo, após a descoberta do relacionamento entre sua filha e o filho de Ousmane são tocantes. Aos poucos aquela alteridade à primeira vista tão distante vai se tornando a mesma substância e assim ambos os personagems vão se revelando de forma majestosamente complexa. Ai encontra-se, talvez, a maior qualidade do filme, uma vez que ele não permite reduções a nenhuma forma de dicotomia. Com o desenrolar da trama vamos notando que a inglesa branca, apesar de seus preconceitos explícitos, não é nenhuma vilã estabelecida e que o senhor de origem africana e negro também não pode ser visto como uma pobre vítima com uma mentalidade esquiva de preconceitos xenófobos. Do mesmo modo surpreende o aparecimento de um policial muçulmano que nem por isso se solidariza especialmente com Ousmane. Ao longo do filme é possível identificar os personagens com todos os papéis sociais construidos pela mídia corporativa e pela grande narrativa da geopolítica contemporânea. Tanto o filho de Ousmane (negro, muçulmano e descendente de africanos), quanto a filha de Elisabeth (branca, inglesa e convertida ao islã) poderiam ser os "vilões" (terroristas) ou os "mocinhos" (vítimas), assim como os demais personagens que vão, com o avanço da narrativa, traduzindo de maneira brilhante, seus problemas pessoais em verdadeiras questões de ordem pública e resgatando a "sensibilidade" da "política", na medida em que a trazem para o espaço vivido.  Filmes como este, ou ainda "Olhos Azuis"(2010) e "O Visitante"(2007) , apontam claramente para o fato de que, na "periferia" do mundo (ou no "Hipergueto", como classifica Agier (2009)), um professor primário pode ter mais importância que um diplomata do mais auto escalão.   

Por Guilhermo Aderaldo

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